Raoni, cacique e pajé kayapó, dá seu posicionamento em relação à construção da hidrelétrica de Belo Monte, em entrevista para o especial Xingu
Ulisses Capozzoli
Raoni: Eu não fiz contato com os Villas Bôas. Eu fiquei sabendo que tinha contato com o branco porque gente do meu povo que viu contou que tinha acontecido isso. Mas depois eu conheci os Villas Bôas: o Cláudio, o Orlando e o Leonardo. O Cláudio ficou uns tempos com a gente. Eles falaram, o Cláudio falou muito, que a gente tinha de parar de brigar. Tinha de parar de lutar. Os kayapó tinham de parar de brigar com os juruna e com os outros índios. Tinha de ficar em paz com todo mundo. O Cláudio falou, o Orlando falou que a gente tinha de se unir pra enfrentar os brancos que iam chegar logo. Eles falaram que eu tinha de fazer isso, de parar com toda a briga com os vizinhos e eu fiz isso. A gente ficou muito tempo na paz, mas agora tem problemas outra vez com essa usina de Belo Monte. Eu não quero essa usina. Ninguém aqui quer essa usina, porque vai ser ruim pra nós. Vai ser ruim pro branco que mora por aqui também. Vai ser muito ruim porque a nossa vida tá ligada ao rio, tá ligada à floresta, tá ligada ao peixe e à caça. Tá ligada à terra que é nossa, mas a muié [a presidente Dilma] não quer saber. Ela não pode autorizar essa usina de Belo Monte, porque a gente vai ter de brigar outra vez. Eu vou brigar. Eu vou brigar até o fim.
Os Villas Bôas ajudaram no passado. Orientaram os kayapó e outros povos indígenas para o que deveriam fazer depois do contato com os brancos. Quem pode ajudar os kayapó e outros índios agora?
Agora não tem mais os Villas Bôas. O Leonardo, o Cláudio e Orlando já morreram. Mas a gente vai lutar. Vai lutar até o fim porque Belo Monte não pode acontecer. A gente vai lutar, vai reunir muita gente. Vai em Brasília, vai falar pra todo mundo que essa usina não pode acontecer na nossa terra. Porque o branco, o governo do branco, não tem direito de fazer isso na nossa terra. A gente não tem montanha aqui, a gente não tem balsa grande pra viver todo mundo em cima dela. A gente não tem morro aqui não. É tudo plano e a água vai encher tudo e vai acabar com a mata e o rio que alimenta o nosso povo. Essa usina vai acabar com o nosso peixe, com a nossa vida, com o jeito que a gente vive aqui.
O senhor tem muitos amigos. Alguns deles são famosos, como o Sting. Osenhor pensa em pedir ajuda aos seus amigos?
Eu pedi ajuda sim. Eu estou pedindo a ajuda de todo mundo contra a construção dessa usina de Belo Monte. O presidente do Paraná [governador do estado, Beto Richa] disse que dá apoio pra gente contra a Belo Monte. E tem deputado, prefeito, muita gente que dá apoio pra gente contra essa usina de Belo Monte. E eu quero ter um dinheiro também pra demarcar uma terra que é importante pra gente. É a terra onde está enterrado o meu pai. Mas a terra não é importante porque o meu pai foi enterrado lá. É importante pra conservar o nosso território contra o avanço das fazendas dos brancos. O branco não pode chegar assim e dizer: “Eu vou fazer a usina e pronto”. Os portugueses chegaram aqui e foram eles que começaram a tomada da nossa terra, a terra onde a gente vivia, onde a gente vive até hoje. Aí começou tudo, com os portugueses. Mas eu estou avisando, eu estou avisando faz tempo pra não fazer a usina porque nós vamos brigar. A gente não vai desaparecer. Se não fizer a luta contra a usina, a gente vai desaparecer.
E os jovens kayapó? Que comportamento eles têm hoje e o que o senhor pensa que terão no futuro? Eles vão seguir a tradição do seu povo?
[Nesse momento o cacique Bedjai, responsável pela aldeia Piaraçu, que traduz a entrevista, manifesta com um longo e sonoro lamento “hiiimmmm” a possibilidade de que os jovens deem continuidade ao pensamento dos mais velhos. Do líder Raoni, dele mesmo e de outras lideranças mais antigas que ocupam a sala do professor Pedro, um baiano que se transferiu para a aldeia e alfabetiza os jovens.]
Eu também fico muito preocupado. Muito preocupado com isso. A juventude não quer saber da nossa tradição não. A juventude quer saber da cidade, do carro, da moto, de viver na cidade. Isso eu tenho muita preocupação. Eu falo para os nossos jovens que a nossa língua, a nossa cultura é muito importante, mas eles não querem saber disso. Ninguém mais quer ser pajé entre os jovens. Ninguém quer saber do remédio que a gente usa para tratar as doenças. Ninguém quer saber disso não. Então, se eles não querem saber, isso vai acabar. Vai sumir tudo. Vai acabar, vai desaparecer. A cultura nossa vai desaparecer tudo. Eu falo tudo isso para os jovens, mas eles nem querem saber. Então, quando os velhos morrer isso vai desaparecer mesmo. Não vai ficar vivo não.
Que mensagem o senhor gostaria de enviar para os seus amigos, para as pessoas que vão ler esta entrevista e o trabalho que estamos fazendo sobre os 50 anos de criação do Parque Indígena do Xingu?
Eu quero que eles ajudem porque eu tô preocupado com o que vai acontecer com todo mundo. Não é só com os índios não. É com o branco também. Eu tô preocupado com tudo isso aí. A usina de Belo Monte vai afetar tudo, vai destruir muito. Tem cidade aqui perto [Raoni se refere a cidades que envolvem o Parque, entre elas São José do Xingu, no passado conhecida por Bang Bang, mas agora referida como Bangue e a mais próxima da aldeia Piaraçu pela rodovia BR-080, na verdade, uma via esburacada de terra vermelha fina como talco]. Tem branco que mora por aqui e eles também vão ser prejudicados pela Belo Monte. Eles também vão perder se forem mexer com o rio. Todo mundo vai ficar sem peixe, a mandioca vai ser ruim para o branco também, porque a gente planta a mandioca na terra preta e a água vai cobrir essa terra. Vai chover demais e vai ter seca demais também e isso é muito ruim para o meu povo. É isso que eu quero. Que a gente lute junto contra essa usina de Belo Monte, que a muié lá em Brasília entenda que não pode construir a usina aqui. A gente tem que ficar junto pra manter a Natureza. Raoni segura meu braço com as duas mãos, com força, e diz que estamos ajudando da melhor maneira possível, ouvindo as lideranças do Parque e também os jovens para informar a sociedade brasileira sobre o que está ocorrendo lá, em especial em relação às ameaças à integridade que ele vê com a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. As aproximadamente 30 pessoas, todas homens e mais velhos, que acompanham a entrevista estão visivelmente emocionadas. O único olho do cacique Bedjai brilha sob a lâmpada fraca e avermelhada que pende sobre sua cabeça produzindo um intrigante jogo de luz e sombra sobre seu rosto vincado pelo tempo. Bedjai amassa nervosamente um cigarro entre os dedos desde que entrou na sala para assumir a tradução da conversa. Raoni acrescenta que quer continuar a conversar comigo na manhã do dia seguinte. Mas não haverá um amanhã.
[Nesse momento o cacique Bedjai, responsável pela aldeia Piaraçu, que traduz a entrevista, manifesta com um longo e sonoro lamento “hiiimmmm” a possibilidade de que os jovens deem continuidade ao pensamento dos mais velhos. Do líder Raoni, dele mesmo e de outras lideranças mais antigas que ocupam a sala do professor Pedro, um baiano que se transferiu para a aldeia e alfabetiza os jovens.]
Eu também fico muito preocupado. Muito preocupado com isso. A juventude não quer saber da nossa tradição não. A juventude quer saber da cidade, do carro, da moto, de viver na cidade. Isso eu tenho muita preocupação. Eu falo para os nossos jovens que a nossa língua, a nossa cultura é muito importante, mas eles não querem saber disso. Ninguém mais quer ser pajé entre os jovens. Ninguém quer saber do remédio que a gente usa para tratar as doenças. Ninguém quer saber disso não. Então, se eles não querem saber, isso vai acabar. Vai sumir tudo. Vai acabar, vai desaparecer. A cultura nossa vai desaparecer tudo. Eu falo tudo isso para os jovens, mas eles nem querem saber. Então, quando os velhos morrer isso vai desaparecer mesmo. Não vai ficar vivo não.
Que mensagem o senhor gostaria de enviar para os seus amigos, para as pessoas que vão ler esta entrevista e o trabalho que estamos fazendo sobre os 50 anos de criação do Parque Indígena do Xingu?
Eu quero que eles ajudem porque eu tô preocupado com o que vai acontecer com todo mundo. Não é só com os índios não. É com o branco também. Eu tô preocupado com tudo isso aí. A usina de Belo Monte vai afetar tudo, vai destruir muito. Tem cidade aqui perto [Raoni se refere a cidades que envolvem o Parque, entre elas São José do Xingu, no passado conhecida por Bang Bang, mas agora referida como Bangue e a mais próxima da aldeia Piaraçu pela rodovia BR-080, na verdade, uma via esburacada de terra vermelha fina como talco]. Tem branco que mora por aqui e eles também vão ser prejudicados pela Belo Monte. Eles também vão perder se forem mexer com o rio. Todo mundo vai ficar sem peixe, a mandioca vai ser ruim para o branco também, porque a gente planta a mandioca na terra preta e a água vai cobrir essa terra. Vai chover demais e vai ter seca demais também e isso é muito ruim para o meu povo. É isso que eu quero. Que a gente lute junto contra essa usina de Belo Monte, que a muié lá em Brasília entenda que não pode construir a usina aqui. A gente tem que ficar junto pra manter a Natureza. Raoni segura meu braço com as duas mãos, com força, e diz que estamos ajudando da melhor maneira possível, ouvindo as lideranças do Parque e também os jovens para informar a sociedade brasileira sobre o que está ocorrendo lá, em especial em relação às ameaças à integridade que ele vê com a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. As aproximadamente 30 pessoas, todas homens e mais velhos, que acompanham a entrevista estão visivelmente emocionadas. O único olho do cacique Bedjai brilha sob a lâmpada fraca e avermelhada que pende sobre sua cabeça produzindo um intrigante jogo de luz e sombra sobre seu rosto vincado pelo tempo. Bedjai amassa nervosamente um cigarro entre os dedos desde que entrou na sala para assumir a tradução da conversa. Raoni acrescenta que quer continuar a conversar comigo na manhã do dia seguinte. Mas não haverá um amanhã.
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